segunda-feira, 7 de setembro de 2009

Independência e sorte



Um dia você olha bem pra sua vida e percebe que aquilo que você conhecia por vida a dois chegou ao fim. Acabou, cansou, foi bom enquanto durou, mas não dá.

De repente é até... bom ainda. Mas nada muito mais que ‘bom’.

- Eu gosto dele, mas ele hoje é muito mais meu amigo do que meu homem.

- A gente se dá muito bem, mas falta alguma coisa.

- Eu o admiro, respeito, mas... falta tesão.

- Ele é um ótimo pai, excelente companheiro, mas falta química na relação.

- A gente se dá bem na cama, se dá bem como amigos, mas ele não quer nada da vida.

- Eu sei que ele gosta de mim, eu gosto dele... mas ele é um galinha.

- Eu quero estudar, viajar, quero mais pra mim do que ficar sentada esperando o domingo passar.

- ...

Seja qual for o motivo (e a gente poderia continuar essa lista por mais posts e posts), chega uma hora em que o peso dessa relação é simplesmente insustentável pra quem fica. Mas daí a sair da percepção do ‘acabou’ pra certeza do ‘não dá mais’, a gente sabe muito bem que não é fácil.

Não é fácil bancar a decisão da separação perante pais, filhos e amigos do feliz casal. Não é fácil se explicar pros seus filhos, que talvez por um bom tempo vão te acusar de ser a ‘bruxa má’ da história, que você ainda é jovem, bonita, tem uma vida inteira pela frente e o direito de tentar ser feliz de novo.

Não é nem um pouco fácil se re-apropriar da sua casa, e de um dia pro outro ter que consertar a torneira da pia, trocar a lâmpada da cozinha, ou fazer as compras de mês.

Não é nada, nada fácil rearrumar o armário que agora está vazio, e comporta todas as suas roupas, bolsas, sapatos (ai, como ele reclamava do sua fixação em sapatos) e bugigangas.

Não é fácil olhar pra sua cama de casal sábado à noite, enquanto as crianças dormem na sala e você zappeia e tenta a sorte na tevê.

Não é fácil administrar sozinha toda uma agenda de consultas, terapias, pagamentos e afins.

E também não é nem um pouco fácil assumir que você está, sim, sozinha, mas muito melhor assim. Sem peso, sem cobrança, sem maiores explicações. Sem hora pra acordar no feriado de independência, fazer café, voltar pra cama, escrever um pouco ou ler um livro. Botar um creme no cabelo, uma touca plástica, cortar a unha do pé. Ouvir uma música bem brega, ler o jornal que ontem você não leu (e que ainda está com o caderno de esportes intacto!) ou pensar sobre a crônica de domingo da Martha Medeiros que você não esqueceu.

‘Fico imaginando as histórias que podem não ter acontecido com você. Namorar uma pessoa por oito anos e romper dias antes de subir ao altar: não ter casado pode ter sido a melhor coisa que nunca lhe aconteceu, vá saber o que o destino lhe ofereceu em troca. Ou você não ter passado num concurso. Nunca ter recebido a ligação que tanto esperava. Nunca ter recuperado um objeto perdido que o deixava preso a lembranças paralisantes. ...

É uma visão generosa da vida: imaginar que os não-acontecimentos fizeram diferença, que você está onde está não só por causa das escolhas que fez, mas também pelas especulações que nunca se confirmaram. Ao manter esse caráter desestressado, eliminamos a palavra derrota do nosso vocabulário e a alma fica mais aliviada, o que não é pouca coisa nesse mundo em que tanta gente parece pesar toneladas devido ao mau-humor e ao pessimismo.’

Continuar casada pode ter sido a melhor coisa que não me aconteceu. Ainda que não seja fácil, ainda que por muitas vezes eu pense ‘E se não tivesse sido assim?’.

Pensar que a gente nunca vai saber como teria sido se tivesse sido diferente é libertador. E como bem disse a Martha, ‘ter o espírito aberto funciona’.

Boa sorte.